sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Para quando a saudade apertar.

(Para ouvir enquanto lê: Everybody hurts - R.E.M.)



Em fevereiro far-se-ão dois anos do falecimento de meu velho pai. Hoje, revisitando algumas pastas há tempo intocadas no meu computador, me deparo com esse texto que escrevi quando aproximavam-se os 4 meses de seu desencarne. Já não choro mais sua partida, mas a saudade jamais deixa de estar presente.


Os últimos momentos não foram os ideais. Uma doença silenciosa, mas que deixava sua aparência cada vez mais definhada, as formas de seu rosto e de seu corpo não eram as que permitiam dizer que havia algum resquício de saúde naquele velho, baixinho e gordo homem. Seu semblante cansado, sua fala arranhada, triste, seu andar devagar, quase um arrastar de pés para subir as escadas afim de repousar sobre sua cama e esperar mais um dia chegar ao fim. Tantas vezes naquele último dia eu subi para te dar água, para sentir sua febre, perguntar se precisava de mais algo ou, simplesmente, como na última vez que ouvi sua respiração, velar o seu sono e te dizer boa noite sem pronunciar uma única palavra. Parece que eu já havia percebido que não adiantaria mais interferir no que, naquele momento, já se demonstrava como óbvio. Questionar a vontade de Deus de te levar para perto dele seria egoísmo da minha parte. Quanto do homem que eu vi lutar toda uma vida restara sobre aquela cama? Quantas lágrimas eu vi derramarem dos seus olhos pela doença de minha mãe e a culpa que você teimava em colocar sobre si, quando na verdade não haveria em quem indicar culpados? Quantas vezes o vi sorrir ao escutar um velho samba no rádio e cantarolar com saudosismo dos tempos que jamais voltariam? Quanto amor eu via em teus olhos ao se aproximar de minha mãe e dar-lhe mais um beijo de despedida para iniciar uma jornada de trabalho ou para findar um dia cansativo de batalha? Quanto eu já ouvi de reclamações por eu chegar tarde, por não falar ao telefone, por responder com valentia ou por desobedecer às tuas ordens? Quantos ‘quantos’ eu poderia descrever só para dizer o quanto eu sinto a falta de você por perto? Medir a dor pelo tamanho da saudade ou a saudade pelo tamanho da dor? No dia da sua partida eu via no rosto de cada pessoa que passava por mim o quanto você foi especial para cada um. Minhas lágrimas teimaram em não cair e, em raríssimos momentos, ensaiei o choro mas logo controlava minha tristeza. Havia pessoas ali que precisavam de alguém forte e seguro o suficiente ao lado para demonstrar que seria capaz de seguir adiante, de abraçar a todos e dizer – Agora é comigo! – Lêdo engano... Minha principal fraqueza foi não ser forte ao tentar mostrar aos outros que eu seria forte. E os dias foram passando, as pessoas passando, o tempo passando, a tristeza... não, esta não passou. Deixei de lado coisas importantes da minha vida por um luto que, agora, era só meu. Gente que estaria ao meu lado sob qualquer circunstância eu deixei ir embora. Minhas lágrimas não pediam mais permissão para se esvaírem de meus olhos e, qualquer lugar era lugar, qualquer hora era hora, elas margeavam meu rosto. Me vi vivendo o que eu achei que eu jamais seria: alguém recluso dentro de meu próprio ser. Aproximam-se os 4 meses de seu último suspiro. 4 meses de uma luta dentro de mim para retomada de uma energia que me fora arrancada de repente. Perder você não estava nos meus planos. Ainda que eu soubesse que, um dia, isso viria a acontecer, eu não estava pronto. Lutar todos os dias contra essa dor tem me feito alguém mais duro com o mundo, mais duro comigo mesmo. Exijo de mim todos os dias ser, ao menos, metade do que você foi para todos nós. Exijo de mim ter, ao menos, metade da hombridade e da honradez com que você levou a sua vida. Quando eu conseguir ser, ao menos, metade do que você foi, pai, prometo seguir adiante com os meus próprios passos. E que toda essa dor se transforme em lembranças do que você ensinou para que eu possa perpetuar o que o seu coração foi capaz de fazer por mim e por todos que passaram pelo teu caminho.


Fonte: newsdomundo.wordpress.com

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Românticos: Uma espécie em extinção?

(Para ouvir enquanto lê: Românticos - Vander Lee)



Falar em homem romântico é, automaticamente, cantarolar Vander Lee: "Românticos são poucos, românticos são loucos desvairados [...] Romântico é uma espécie em extinção". E mais, enquanto o termo é constante no vocabulário feminino, do lado masculino se encontra praticamente em desuso, junto aos verbetes antigos, ao lado de "vossa mercê" e "por obséquio". Porém, estar em risco de extinção não é estar extinto.

Aos desavisados de plantão, declaração de amor no facebook não é romantismo, ok?! Abrir porta do carro, levar para jantar em um restaurante recém-inaugurado do outro lado da cidade e ainda pagar a conta, também não é. Ser gentil, prestativo e companheiro, deveriam constar em todos os manuais do homem moderno, mas ainda há aqueles que preferem usar o que seus antepassados neandertais cravavam nas paredes das cavernas.

Homens, por favor, sem exageros! Pequenos mimos até agradam, mas cuidado para não babarem tanto sobre suas amadas a ponto delas terem de comprar um barco para conseguirem ficar perto de vocês. Fazer aquela voz ridícula parecendo estar falando com uma criança de dois anos ou apelidos do tipo "tchutchuquinha", "pão-de-mel", "pão-de-ló" ou "quindim", são seu ingresso para a primeira fila do filme dos Ursinhos Carinhosos. Convenhamos, um apelido engraçadinho que fique só entre vocês é até aceitável, mas ouvir gritar do outro lado do corredor do mercado um "Docinho de Cooooco, leva azeitona?" é sinônimo de sofrer de vergonha alheia para os outros clientes.

Romantismo não se força, não se finge. Está atrelado à paixão, mas não àquela paixãozinha que você vira a esquina, guarda no bolso e só tira quando vai encontrá-la novamente. Falo de paixão de verdade. De suspiros, de sonhar acordado, de virar a mesma esquina e querer voltar correndo porque a saudade já começou a apertar. Paixão de olhar nos olhos da pessoa amada e enxergar um futuro muito mais distante que o dia seguinte. E aí, da necessidade de ter aquela pessoa ao seu lado, da vontade de ser e fazê-la feliz, é que desperta o ser romântico.

Um convite para contemplar a Lua, mesmo que por telefone, pois estão a quilômetros de distância um do outro. Um brilho diferente no olhar, seguido de um sorriso que diz - "Hoje meu mundo está mais feliz" - a cada reencontro. Um carinho seguido de um abraço apertado e um pedido de desculpas ao assumir que estava errado (até mesmo quando "certos vão pedir perdão"). Ser romântico é mais do que ser companheiro, incentivar sonhos, planos. Mais do que post-it's pela casa, flores novas toda semana e esquecer a vergonha de dançar no meio do salão mesmo sem saber dançar. O romantismo é primo irmão do amor. É despertar de manhã e, antes de agradecer por um novo dia, olhar para o lado e ter a visão mais perfeita e sorrir pela sorte de ter quem se ama junto a si. Ser romântico é segurar a mão e saber a hora certa de soltar. É entrelaçar os dedos por entre os cabelos e desfazer os nós, e refazer o nós.

Românticos podem até ser raros. Mas, mais raro ainda é encontrar alguém disposto a viver um amor de verdade que faça despertar o ser romântico. Aos homens, não tenham medo de amar. Às mulheres, não tenham medo do amor.

Fonte: http://goo.gl/POYYlC

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Talvez não devesse, mas ainda te amo

(Para ouvir enquanto lê: Eu amo você - Tim Maia por Céu)




Não adianta lutar contra. Já tomei porres homéricos em botecos sujos pela cidade, já me esbaldei em baladas até o amanhecer, já me isolei por dias no meio da natureza em busca do meu eu interior. Tomei banho de mar, de ervas, de pipoca, de folha de aroeira e até de água benzida pelo papa. Conheci Júlias, Antônias, Cristinas e Marias... Mas bastou encontrar um bilhete seu perdido entre meus livros - que eu teimo em nunca terminar de ler - para que o coração caísse no fundo abismo que cavei na intenção de te esquecer.

Naquele pedaço de papel marcando uma página do Leminski, sua escrita de letras tortas não dizia muita coisa. Mas sim, dizia muita coisa. Tinha sabor de fruta madura colhida no pé, daquela bem doce, que não somente sacia a fome, mas acalenta a alma. Tinha o aroma de um campo de brancas gardênias, de sutil perfume a abrandar até o mais irrequieto coração. Era como uma orquestra de bem-te-vis invadindo os ouvidos, passeando na aurora do dia, com o descerrar de nossos olhos. Olhos que sorriam com o bilhete que marcava seu poema favorito, de onde um dia me dedicou aquele trecho. - "Basta um instante... e você tem amor bastante".

E, de repente, a nostalgia. Lembranças do que fomos e do que poderíamos ter sido. Aqueles sonhos interrompidos, planos não realizados, viagens que não saíram do papel. Brincávamos de sermos felizes. Brincávamos porque, de séria já bastava a vida. Felicidade é sinônimo de sorrisos, muitos sorrisos. De cócegas surpresas no meio da rua, de caretas durante as não raras discussões pela toalha molhada sobre a cama ou a calcinha pendurada no chuveiro. Até mesmo quando você se estabanava de rir no chão ao me ver imitar o Sílvio Santos - até hoje acho que fazia só para me agradar. Fazíamos de nossa vida um sonho bom, dispostos a sermos rainha e rei de nosso próprio destino.

Talvez, por ironia do destino, aquele bilhete que de tanta alegria me fez lembrar, me trouxe algumas lágrimas a lavarem meus olhos. Acho que o próprio Leminski que um dia disse: - "A noite enorme, tudo dorme. Menos teu nome" - E assim, de tanto adormecer com seu nome acordado em mim, talvez não devesse, mas, desculpa, ainda amo você.


Fonte: http://bfontes.tumblr.com/

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Redemoinho

(Para ouvir enquanto lê: Believe - Lenny Kravitz)






"Os ventos que às vezes levam algo que amamos, são os mesmos que trazem algo que aprendemos a amar [...]". Quem nunca se deparou com essa frase? Talvez com uma pequena variação aqui ou ali, mas sempre denotando o mesmo sentido: as idas e vindas da vida.

Quanto mais distraídos andamos, maior a possibilidade de surgir em nossa frente aquilo que um dia tanto quisemos. Claro que fugindo um pouco da questão do mérito, para com o que lutamos ou nos esforçamos em conquistar um determinado espaço. Mas tem horas que, a mera distração, o não esperar que surja e, de repente, pronto! Nos deparamos de frente com A oportunidade. Um trabalho, uma viagem, alguém inesperado... Mas como perceber já que estamos tão distraídos? Não percebemos! Simplesmente, assim como o vento pode mudar repentinamente de direção, a vida te coloca frente a frente com aquela oportunidade. O que fazer com ela é a grande questão. Às vezes, na incerteza, insegurança daquilo que nos está sendo proporcionado, fazemos o mais óbvio: deixamos passar. O medo do novo, o conservadorismo, o que as pessoas em volta podem dizer e a segurança do que já existe, do caminho que já percorremos até ali, nos fazem paralisarmos frente àquela nova rota que nos é apresentada. Por que mudar?

Bom é quando a vida nos apresenta mais que um simples vento, que não se limita a soprar para longe aquilo que poderia nos fazer transformar o nosso rumo. Bom é quando esse vento se torna redemoinho. Uma segunda chance. Nos traz de volta a oportunidade da felicidade, daquilo que outrora nos satisfaria plenamente e que novamente se mostra ao nosso alcance. Fácil nunca será! As mesmas indagações, as mesmas caraminholas na cabeça virão e nos deixarão parados outra vez. Mas, se nos foi dada essa segunda chance, porque não arriscar desta vez? Não deixemos o medo vencer.

Todos os dias batalhamos por nossos ideais, pelos nossos sonhos, para que nada seja em vão. Não é que as oportunidades caiam do céu, os caminhos que trilhamos fazem com que elas surjam e precisamos estar atentos a isso. Se vai dar certo ou não, só temos como saber ao encararmos de frente. Um redemoinho pode tirar tudo do lugar, apresentar o novo nos tirando de nossa zona de conforto. Nos dando uma segunda chance para que, desta vez, daqui em diante, o vento sopre ao nosso favor.



segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Segura a minha mão...

(Para ouvir enquanto lê: All of me - John Legend por Bea Miller)




Desculpa, mas não sei viver de meias verdades. Para mim, não existe essa de copo meio cheio ou meio vazio. Sou do tipo de homem que levo a minha vida sempre como um copo cheio e, se quiser caminhar ao meu lado, que seja para fazer esse copo transbordar.

Se quiser vir comigo, me dê a mão e faremos do que há depois do horizonte o nosso limite. Até inventarmos o próximo. E a cada vez que chegarmos onde queremos, traçaremos novos planos, novas metas e buscaremos outros horizontes. Mas venha sem medo, deixa tudo o que não deu certo no passado. Se alguém já te fez sofrer, esqueça. Se algum dia te fizeram chorar, faça da sua dor a força para seguir adiante. Me dê a mão e não solte! Vamos correr e pegar a estrada com destino ao que nossos sonhos nos conduzirem. Mas essa viagem vamos fazer de olhos abertos, que é para não perdermos um instante sequer a beleza que é o caminho que escolhemos contemplar juntos. Basta não ter medo de segurar minha mão.

Minha única promessa será de não te fazer outras promessas. Tudo o que precisar de mim, terá ao seu alcance. Quando me pedir um beijo, inventarei centenas de formas diferentes de me perder em seus lábios. Quando quiser um abraço, faço de meus braços abrigo a te proteger do mundo lá fora. Quando só precisar de companhia, te deixo um sorriso para cada momento que olhar para o lado. Quando quiser um tempo, jogo fora os relógios e te deixo meu número para a hora que quiser ligar. Mas ligue! Espera que eu chego logo logo, seguro outra vez a sua mão e te mostro o que ninguém mais pode ter; e que ainda bate dentro de mim.

Se ainda assim tiver medo, não tem problema. Segura a minha mão e vamos caminhando devagar. Faço dos meus passos o seu porto seguro. O horizonte continuará no mesmo lugar - de sua mão eu não solto - e vamos deixar transbordar.

Foto: Murad Osmann / www.instagram.com/muradosmann

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O que diz seu coração

(Para ouvir enquanto lê: I'll be your man - James Blunt)




Desista de se esconder por detrás dessa angústia de não saber o que quer. Enquanto seus pés apontam em outra direção, sua pele ruboriza só em ouvir falar meu nome. Me pede para viver minha vida, mas é a primeira a sorrir quando digo que era a bagunça que em mim fazia, o motivo para eu ficar. Não disfarça esses olhos que brilham diamantes ao me ver passar, porque esse orgulho bobo de menina segura se perde sob seus óculos escuros. Engole esse soluço seco, bebe mais uma dose de teu vinho preferido e vem brindar comigo o doce sabor de sermos nós dois a dançarmos sob o som que embala nossos corações.

Para de tentar controlar a saudade do calor que sentia ao tocarmos nossos lábios. Sei que ainda arde em brasas tua pele, na lembrança de minhas mãos que percorrem tuas curvas como o curso de um rio a desaguar em tua foz. Não há esforço que valha, que faça teu corpo não estremecer, ao lembrar minha barba roçar tua nuca, te cerrando os olhos e te encharcando os lábios. Não tente esquecer os corpos entrelaçados, desnudos sob os lençóis de seda nas madrugadas em claro, transpirando e gemendo e gozando e amando... Ainda vive em você o repouso em meu peito que amparava o teu sossego, era sob meus braços que teu sono chegava aquecido e protegido do mundo lá fora.

Traz de volta à superfície do teu peito aquele amor que é só meu. Sei que o esconde em algum canto, talvez por trás daquela caixa com teus sonhos adiados, embaixo da estante onde guarda as fotos do tempo presente que teima em não viver. Você é quem melhor sabe que aquele seu sorriso bobo sobre os meus planos era o que te fazia contemplar um amanhã com gosto de esperança. Só você quem sabe que, se meus olhos hoje veem um caminho sem cor pela frente, é porque os pincéis que guarda no bolso ainda estão embebidos das tintas que pintamos nossos primeiros passos. Larga esse orgulho de lado, joga para o alto a incerteza da estrada a caminhar e vamos voar até onde nossas asas nos levarem. E assim façamos do nosso futuro: primeiro até amanhã, e depois até o dia seguinte. Daí deixa a vontade mostrar até quando.



segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Sossego

(Para ouvir enquanto lê: You - Donavon Frankenreiter)





"Eu quero a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida [...]". Um desejo tenaz clichê entoado por vozes como as de Cazuza, Cássia Eller, Bethânia e Gal, mas de um significado tão presente no peito de muita gente. Nem precisa ser a idealização de um amor romântico para viver esses versos, mas tem horas que tudo o que buscamos é o mais puro sossego de um coração embalado por várias das canções melódicas que se pode tocar nas rádios.

Sabe aquela hora em que olhamos para dentro de nós e vemos um coração cansado de envolvimentos efêmeros? Sexo pelo puro prazer do sexo, em que mãos, pele, suor, tesão e atração se misturam é sensacional. Mas e o dia seguinte? Bate aquela vontade de curtir uma preguicinha boa, ouvindo Bob Dylan invadir o quarto, enquanto as cobertas voltam a disfarçar o vento frio que teima em entrar pela fresta na janela. E é lá, por debaixo dos lençóis, que sente-se toda a diferença. Aquele encaixe perfeito de braços, pernas e quadris que aquece os corpos, em que, maior que o tesão, a paixão fala mais alto.

São as pequenas coisas que fazem mais falta. Uma mensagem no meio da tarde só para dizer que sentiu saudade; a pipoca e o filme num sábado à noite e, entre um punhado e outro, um beijo com sabor de um doce sorriso salgado; as viagens de fim de semana à praia, ao campo, ao céu; até mesmo os ciúmes que nunca chamamos de ciúme, mas de "tô abrindo seu olho porque esse(a) menino(a) tá a fim de você". Tem momentos que só o que precisamos é a certeza de poder contar com alguém que possa enxugar nossas lágrimas, dividir nossas alegrias e brindar nossas conquistas. E isso sem precisar pedir nada em troca. A doação já é mútua e natural. O entrelaçar dos dedos num inocente passeio de domingo no parque já é prova maior daquilo que precisamos para ligar nossos corações.

O prazer de contemplar o mundo a dois, caminhando sem pressa, dividindo a vida, o travesseiro e os sonhos, é o que faz querer dar esse sossego ao peito e, a partir daí, "transformar o tédio em melodia". Chega uma hora que o coração pede abrigo.



quarta-feira, 30 de julho de 2014

Diálogos Vitruvianos

(Para ouvir enquanto lê: Uninvited - Alanis Morissette)





Hoje se completam, exatamente, 100 dias da primeira publicação do blog Diálogos Vitruvianos. De 21/04 para cá, foram mais de 1500 acessos para os 15 textos postados. Alguns com mais visualizações que outros, mas acreditem, em todos os textos busquei pôr o máximo de sentimento possível. Sim! Hoje, por mais cafona que possa ser, ainda há pessoas que escrevem sobre sentimentos. Para muitos, uma exposição desnecessária de algo pessoal, uma exploração de algo tão banalizado nos dias atuais, que passou a não ter mais o seu devido valor. Mas acreditem, ainda há gente que encontre na paixão a sutileza de se encantar diariamente pela mesma pessoa.

Dizem que, para falar sobre um amor perdido, nada melhor do que montar uma dupla sertaneja, se aventurar tocando arrocha ou virar um escritor. Como minha voz é péssima e minha escrita é ruim, optei pela ideia menos pior: escrever. Sempre busquei viver minhas opções com intensidade, seja um trabalho que eu faça, uma atividade que me proponha ou um relacionamento. Após o falecimento de meu pai, no ano passado, me fechei completamente para envolvimentos amorosos. Pior, na época, para minha então namorada. Não era justo eu ficar com alguém sem poder estar antes equilibrado dentro de mim, daí terminei. Levei pouco mais de um ano até conseguir gostar de alguém novamente. Eis que surge Alba*. Entre as primeira palavras pelo facebook (por causa de uma foto curtida por um amigo em comum, que apareceu nas atualizações) até o último beijo na frente do prédio dela, foi pouco mais de um mês. Conchas, sequilhos, sorrisos e planos seguiram... e se foram. Nunca tinha vivido algo tão intenso e inesperado como aquela paixão. Não é à toa que a pedi em namoro no dia em que nos encontramos pessoalmente pela primeira vez. Eu tive a certeza do que eu queria, desde as nossas primeiras palavras trocadas, dias antes. Mas me precipitei. Não pela vontade e nem pela certeza. Mas pela pressa em viver aquele estado de êxtase tão novo e surpreendente para mim. Eu não era a vítima de um coração fechado para um sentimento, fui o algoz do meu próprio coração renovado e me julgando pronto para abrí-lo de forma escancarada. Coloquei ele sobre a mesa, mas, simplesmente, esqueci de perguntar se era o mesmo que ela queria fazer. Eis que, na impossibilidade de dizer essas malfadadas palavras para ela, surgiu o blog Diálogos Vitruvianos. Se ela o lê? Acredito que não. Mas não a culpo, tem gente melhor escrevendo sobre essas bobagens do coração (rsrs). Confesso que, após ela, surgiram outras pessoas, mas ninguém que despertasse esse desejo de não ver o tempo passar sob sua companhia. Pessoas excepcionais que, em outros momentos, teriam me feito mais feliz. Mas não, não tinham aquele brilho nos olhos que quase sumiam sob as bochechas quando sorria; Nem aquele ar de "não preciso de você aqui, mas, péra... não, eu preciso"; Ou aquele abraço de quem coloca o mundo no mute e vamos nos aquecer. Aprendi muita coisa com Alba, mas a última e mais importante, é que não podemos ter tudo o que queremos. Ainda que buscasse jamais prendê-la a mim enquanto juntos, por prezar a liberdade e individualidade de cada um, não esperava vê-la partir tão subitamente como chegou.

Se eu disser que já não gosto, que não sinto saudade ou não tenho a esperança de estar com ela novamente, mentirei. Mas também não posso jamais deixar de me permitir enxergar no céu outras estrelas. Lamento a última conversa que não tivemos e a saudade do que poderíamos ter sido, mas agradeço pelo tanto que me fez sentir-me vivo dentro do tempo em que estivemos juntos.

O Diálogos Vitruvianos continuará vivo e falando sobre sentimentos. Um pouco menos sobre Alba, mas, provável, ainda bastante sobre Pedro*. Continuo acreditando no coração das pessoas, se o mundo precisa de mais amor e romance, vou tentar continuar semeando bons sentimentos. Obrigado a todos por acompanharem os escritos desse pseudo-escritor que aqui vos fala. E vamos rumo aos próximos 100 dias!

Vitor Vilas Bôas

*Pedro e Alba são nomes fictícios, é óbvio.



segunda-feira, 14 de julho de 2014

Segue seu coração...

(Para ouvir enquanto lê: Say - John Mayer)






Fim de tarde de um sábado qualquer. Pés na areia, as ondas apenas beijavam as pedras quebrando o silêncio da praia quase vazia. No horizonte um sol tímido que, entre o mar e algumas nuvens, se despedia colorindo o céu de tons variados. A Lua já se conduzia lentamente ao seu posto. Com o azul ainda predominante, sua luz brilhava de mansinho. Subia, venturosa, até se encontrar ao lado de estrelas que logo viriam a aparecer. Pedro admirava tudo aquilo sentado, como um espectador solitário de um filme sem personagens.

Havia uma música. O ritmo era lento, compassado. Um blues saudosista que vinha de dentro de seu peito, talvez. Ou de sua cabeça. Talvez. Não tinha certeza. Há muito não escutava seu coração. Não que ele não dissesse algo, dizia todos os dias a mesma coisa. Em um mundo de tantas incertezas, de tantas mudanças, uma coisa não mudava. A certeza de que seu coração ainda batia por Alba. A mesma certeza de quando se encontraram a primeira vez, de quando lhe disse que era ela quem ele sempre sonhou. Alba era especial. O mundo lhe apresentava centenas de possibilidades, mas a ele não cabia escolher, apenas sentir. E sentiu.

Pedro, de tantos defeitos e manias chatas, foi ele mesmo. Errou algumas vezes, como ainda erraria outras tantas. Não sabia ser diferente daquilo. Coração bobo, sorriso fácil, sempre pronto a dar abrigo em seus braços... Sucumbiu à imensidão do vazio do último abraço que não deu. Buscou em si as respostas, como se se vestisse de culpa por não ter sabido dar a felicidade que achava ela ser merecedora. Talvez. Pode nunca saber.

Naquele dia ele despiu-se da dor que lhe acompanhava. Mergulhou dentro de si o mais fundo que pôde e resgatou Alba à superfície de seu peito. Beijou-lhe as mãos com ternura e sussurrou um pedido - Segue seu coração... -. No fundo ainda tinha esperança, aquele adeus nunca lhe pareceu sua verdadeira intenção...




sexta-feira, 27 de junho de 2014

Resposta ao tempo

(Para ouvir enquanto lê: Upside Down - Jack Johnson)









Tenho pressa de viver. Mas, por mais contraditório que pareça, prefiro andar devagar. Contemplo a vida. Gosto de viver cada instante como sendo o único, o amanhã pode nunca chegar, por isso a pressa pela vida mesmo a passos lentos. Não leio rótulos de vidros de azeitona no mercado (odeio azeitonas com toda a força do meu ser), nunca sei quando vem ou não com caroço. Mas quando certos olhos me fascinam, se sorriem de mansinho ou se se enchem de desejo, sei a hora certa de provocá-los ainda mais. Posso cair no mesmo buraco da calçada dez vezes em uma semana, mas, nas curvas dos lábios quais beijo, sempre me perco de propósito só para percorrê-los mais uma centena de vezes.

Caminho sozinho a maior parte do tempo. As pessoas ainda não aprenderam a enxergar o mundo do mesmo modo que eu enxergo. Longe de mim dizer que é uma falha deles. Mas, tem horas que fugir do estado racional é necessário para que a vida se transforme. Quando aprendi a andar devagar, "muitos passaram, eu passarinho". Conheci melhor a mim mesmo. Criei asas e voei baixinho sem hora pra voltar. Sim! Voei baixo... o suficiente para que, os que não tivessem asas, caminhassem ao meu lado. De lá do alto é sempre mais bonito, mas de que adianta ser alado se não puder compartilhar das coisas que vejo? Não quero o tempo como meu adversário, correr contra ou atrás dele. Quero-o como companheiro. Andar de mãos dadas, vê-lo passar devagar contando conchas, catando estrelas, amando auroras. Não suporto a idéia de pensar que o tempo apaga as lembranças da memória. Talvez por isso eu ande devagar, ainda que as alternâncias da vida sejam constantes, tudo o que ficou de bom por onde passei não se abala, nada apaga.

O bom de ter o tempo como companheiro é que, a qualquer instante, se pararmos, ele para junto. Se corrermos, também corre junto. Só não há como retroceder, por isso eu espero. Tenho andado a passos lentos para que, quem em algum momento tenha ficado pelo caminho, possa me alcançar. A vida é curta para se perder nos rótulos dos potes de azeitona. Saber contemplar o que realmente importa é o que faz ela valer à pena.



terça-feira, 10 de junho de 2014

Depois da meia-noite

(Para ouvir enquanto lê: Another Lonely Day - Ben Harper)






Ontem à noite senti a sua falta. Era uma noite qualquer, igual a várias que a antecederam. Algumas nuvens no céu, o cheiro de chuva se anunciando um pouco mais distante, a rua de poucos carros passando... Eram 22, talvez 23 horas, não sei bem. Poderia ser alta madrugada que eu não sentiria. Ontem à noite o tempo parecia passar devagar. Os ponteiros do relógio vagavam pelo quarto como plumas arrastadas pelo vento. Não havia direções... ou eram todas as possíveis. Descompassado sobre a estante com o tic-tac abafado pela chuva que se aproximava, o relógio parecia seguir os batimentos em meu peito.

A caneca de café que você me deu, repousava sobre a mesa do computador. Aquela mesma que você comprou numa venda de garagem em sua viagem para São Paulo. Dizia que parecia comigo. Um rosto de barba de um lado, grãos de café em forma de coração do outro. A fumaça me embaçava os óculos. Meus olhos castanhos e pequenos, que quase sumiam sob o rosto quando me fazia rir, surgiam. Olhos que brilhavam toda vez que você soltava seus longos cabelos negros. Olhos que se fechavam toda vez que seus lábios encontravam os meus. O mundo parava, as horas paravam, o coração não. Batia mais forte. Pulava no peito, como se, a qualquer momento, fosse saltar sobre suas mãos e dissesse - Cuida! -. Vermelho, pulsante. A chuva já se precipitava janela a dentro. Ensaiei levantar para fechá-la, mas o som dos pingos sobre a sacada me anestesiaram. A saudade de você me dominou o peito como o vento frio que, sem pedir licença, invadiu o quarto. Era uma saudade estranha. Não daquelas nostálgicas do que fomos, mas do que poderíamos ter sido. Não do primeiro dia que nos vimos, nos beijamos, que começamos a namorar. Mas dos seus sorrisos que deixavam de serem refletidos em minh'alma. Do gosto de seus lábios que não mais acariciavam os cantos de minha boca. Dos falsos planos que fazíamos juntos para um futuro distante. Não tínhamos certeza do amanhã, mas você sempre agradecia por te incluir, por mais loucos que fossem, nos meus sonhos mais longínquos. Ontem à noite senti muito a sua falta.

A chuva continuava a cair do lado de fora e dentro de mim. Já passava da meia-noite, talvez uma, duas horas da madrugada. A rua silenciara sem o movimento dos carros e pessoas. O tic-tac do relógio em compasso com meu peito me mostrava que era hora de recolher o corpo. O coração não. Seu repouso tinha como morada o mesmo colo que a saudade teimava em trazer de volta. Era seu outra vez.







terça-feira, 3 de junho de 2014

O que os olhos não veem

Andava pelos bares da vida. Entre uma cerveja e outra, lembrava daquele último romance que tanto o marcou. De fato, não esquecera por completo. Ou nem pela metade. Talvez ainda vivesse diariamente a ode de um amor que se foi e levou seu eu junto. Era seu corpo que perambulava pela vida. Vivia. Como qualquer outra pessoa que cruzava seu caminho, ele vivia. Cada um com seus medos, problemas, com suas idéias, convicções... Mas para ele faltava algo. Aliás, dentro dele algo se fazia ausente. Se em sua mente a imagem dela ainda era constante, nele havia algo que se perdera no caminho.

Festas vazias e cheias de gente. Beijos intensos sem gosto algum. Corpos desnudos que não arrepiavam-lhe a pele. Não deixava de sorrir jamais. O reflexo de sua alma não precisava estar estampado em capas de jornais. Vestia o seu melhor sorriso e desfilava o que as pessoas queriam ver. Por dentro, só ele sabia quantas feridas ainda precisavam ser cicatrizadas. Buscou novas histórias, novos caminhos, novos amores... mas quando fechava os olhos, era no mesmo lugar que sonhava em estar. Abria-os. De repente era o olhar dela nos outdoors espalhados pela cidade. Era o sorriso dela nos rostos das moças que flertavam na mesa ao lado. Era o jeito dela de mexer no cabelo num corpo qualquer ao qual se entregava pela noite adentro. Ele gelava. Sorria e lembrava. Acordava. Não, não era ela. Pagava outra cerveja, acendia o cigarro e partia. Algo se perdera no caminho.

Ele jamais lutou para esquecê-la. Seria uma dessas batalhas desleais, um único homem contra um exército de lembranças. Ele vai continuar se encontrando pelos bares, pelos lábios, pelos corpos. Se encontrando com o eu que ele não reconhece. Pelo caminho, algo se perdera. Mas ele sabia onde... sabia a rua, a casa, sobre qual mesa. O que os olhos não veem, só ele quem sente. Seu coração ainda pulsava no mesmo lugar.



quarta-feira, 21 de maio de 2014

Das cartas que não mandei

15 horas.

Pedro esperava seu voo na sala de espera do aeroporto. Em uma hora partiria para não mais voltar. Resolveu se dar novas chances, novos ares. Enquanto aguardava, Pedro olhava outras pessoas se despedirem. Beijos ternos de casais apaixonados, abraços de saudade da partida ou de agradecimento por ter vindo, avós em netos, filhos em pais, amigos. Gente sozinha mexendo em seus notebooks, celulares, tablets. Pedro tinha uma carta em suas mãos. Lia-se no verso: Alba. Uma das muitas cartas que nunca entregou.

Gostava de escrever. Se pudesse, escreveria todos os dias. Se expressava melhor quando traduzia no papel o que sentia. Mas sobre aquela carta... 

Falaria de como seu dia fora corrido, de como sua saudade continuava ali, latente no peito. Talvez citasse o tio Fred, que voltara a Recife com uns quilos a mais, mesmo dizendo que se exercitara todos os dias na visita à vó Dete. Ou não. Poderia somente lembrar de quando, uma vez, à noite na praia, cataram conchas de cores e tamanhos variados e entrelaçaram seus braços sem ver o tempo até o mar molhar seus pés. Diria das músicas que cantaram juntos nas rodas de amigos. Os mesmos com os quais madrugavam jogando carta e falando sobre como a nova geração desconhece os clássicos nacionais. Fagner, Caetano, Bethânia, Oswaldo, Elis lhes fizeram companhia. Contaria causos da sua rua, como o da vizinha com seus dez gatos. Mas só para descontrair, nem se animava com fofocas. Falaria de como fazia falta o abraço dela quando seu mundo pedia calma. Da sintonia sob os lençóis, se limitaria a falar que seus corpos se transformavam em um só. Das bobagens que ela encanava de seu próprio corpo e ele dizia ser perfeito, diria de forma bem sutil. Ela falava que um bobo apaixonado não vê defeitos. Mas ele via. Não se importava. Era a perfeição de ser imperfeita do que ele mais gostava nela. O que contava era o infinito que vinha dos seus olhos, aquilo que só vê quem os fecha e sente. Lembraria das noites de chuva em que não estavam juntos, mas os pensamentos convergiam ao mesmo lugar. De como eram raros seus sonhos, mas em um deles, Bob, Amy e Joplin eram seus cães de estimação. Na carta escreveria que nenhum silêncio é tão doloroso quanto o da ausência dela quando partiu.

- Voo 652 para São Paulo, portão 5. Embarque imediato.

Quebrado o seu silêncio, pegou o seu bilhete e parou diante do corredor ao avião. Escutou de longe um suave ressoo de voz - Espera! -. Olhou sua mão e a carta ainda estava ali. Pelo atraso de alguém desconhecido, pelas palavras que nunca disse, pelas cartas que nunca mandou... olhar para trás não fazia sentido. Continuou em passos lentos para o esquecimento. Até lembrar na próxima carta que jamais enviará.


sexta-feira, 16 de maio de 2014

Gratidão

Assim como chegou, se foi. Enquanto ele andava feliz com a solidão que lhe acompanhava, ela surgiu. Pouco se demorou. Plantou sorrisos e flores em seu jardim. Deu-lhe carinho, abraços, madrugadas em claro e uma alma mais tranquila. Mexeu com seu ego, sua aura, seus cabelos e seu coração. Cataram conchas, contaram estrelas, fizeram planos... Mas ela precisou partir. Tinha muito ainda para encontrar antes de fixar moradia em algum peito. Pediu desculpa, deixou-lhe um beijo e disse adeus. Assim como surgiu, pouco se demorou, ela partiu.

Fugia da sua compreensão os motivos daquele repentino adeus, mas teve de aceitar. Doeu? Sim! Misturado a algumas lágrimas, um ego partido e o gosto da despedida, que não conseguira dar, preso à garganta, ele precisou se contentar com o vazio que retomava o lugar ao seu lado.  Cerrou os olhos e olhou para dentro de si, mas não se encontrou.

Ali dentro agora morava um coração capaz de impulsionar seu corpo a percorrer longas distâncias só para ter o aconchego de um abraço especial. Encontrara um homem que transformou as cores de seu céu, de cinzas nuvens  na cintilância da aurora boreal. Em seu peito já não batia mais um coração cansado das derrotas nas batalhas que enfrentou na vida, mas esperançoso das conquistas que poderiam vir. Percebera que seus olhos já não miravam o céu como em súplica para iluminar seus passos vindouros, mas fitava firme e seguro o horizonte, muito além de onde o céu e a terra se confundiam no infinito que jamais poderia antes prever. Dentro de si encontrou um coração que pulsava rubro e compassado, certo de que, finalmente, o amor poderia viver ali novamente.

Acordou, libertou-se do passado e voltou a sorrir. Ela, que pouco se demorou, sem saber, havia o refeito mais consciente de si. Enxugou suas lágrimas, guardou o amor por ela numa concha sobre a estante e sussurrou como se ela ainda o pudesse escutar - Obrigado, peixinha. Um dia, quem sabe, a gente ainda se bata por aí... -, e se foi. O mundo era seu outra vez.


terça-feira, 13 de maio de 2014

Ser livre não é estar só

Sentado à escrivaninha, a planilha de texto aberta na tela do notebook à sua frente e, das caixas de som, a melancolia indie do Los Hermanos anestesiava seu corpo junto ao café amargo naquela noite chuvosa de domingo. Rabiscava num bloquinho ao lado contornos que lembravam pássaros. Talvez fosse seu inconsciente lhe dando sinais do que estava te trazendo aquela angústia que tanto lhe afligia o peito.

Desde que escolhera o som do silêncio como companhia, abrira mão das sensações que sua breve vida a dois lhe proporcionara. Não tinha mais o último beijo de boa noite, as ligações no meio do dia para um simples "oi", ou as mensagens que lhe arrancavam sorrisos nas tardes cinzentas e monótonas de trabalho. Também não mais havia a expectativa de sua voz ao interfone, as mordidas no braço durante os filmes do Tarantino, ou os abraços surpresa por trás enquanto lavava a louça e ensopava a camisa na beira da pia. Findaram-se os passeios noturnos a dois, as palavras de incentivo para terminar aquela resenha chata do texto de Vygotsky, ou as caretas e o "mwaah" que quebravam o silêncio e geravam crises de risos. No álbum de imagens do celular, as fotos que "roubou" do facebook dela e que enfeitaram seu plano de fundo um dia, ainda estavam perdidas por lá. Lembrou que nunca tiraram uma foto juntos, mas o rosto dela continuava estampado em sua mente como o quadro de Vicente Romero dava vida à sua sala. A liberdade que escolhera para ganhar o mundo conflitava com o conforto que aquele abraço tanto lhe proporcionou. De que adiantava a liberdade de voar como um pássaro se era naquele ninho que encontrava a paz quando queria adormecer?

E depois de mais um gole no amargo café já quase frio sobre a mesa, pensou:
- Porra, trocaria essa maldita liberdade para estar com ela outra vez.



quinta-feira, 8 de maio de 2014

Quando ela sorri

Havia uma garota em minha rua por quem eu era apaixonado. Não daquelas paixões avassaladoras do coração quase sair pela boca quando ela passava, mas de palpitar sereno no peito quando ela ia ao meu encontro. Também não de causar tremedeira nas pernas e rubor na face, mas de me fazer suar as mãos ao entrelaçarmos os dedos e me abrir um sorriso bobo na boca ao mínimo gesto de carinho. Mas, mais que o fascínio que ela exercia em mim, era o poder que tinha de parar o mundo com um simples descerrar de seus lábios.

A primeira vez que me presenteou com seu sorriso, foi como se eu houvesse descoberto o maior segredo do universo (acabei descobrindo depois que era o da minha felicidade)! Parecia que tudo em seu rosto seguia uma sincronia perfeita dos passos de um folguedo clássico. Cada curva que se formava a partir do seu sorriso era de uma sutileza que o meu coração já nem mais batia, carnavalizava no peito. Enquanto ressoava alguma canção de mansinho em mim, tudo nela entrava em sintonia para fazer valer o que estava para emanar de perfeição de seu rosto. Ao tempo dos seus finos lábios se abrirem, o vento farfalhava as folhas das copas que rodeavam nosso encontro, seu rosto se inclinava como se quisesse esconder-se sob seus negros cabelos; e os pássaros assobiavam como em coro a musiciar nosso encontro. Seus olhos semicerravam devagarinho, o Sol se escondia por detrás dos prédios por não poder concorrer ao brilho que logo dali viria; e suas bochechas cresciam sobre o rosto e se encaixavam perfeitas como a aurora de um dia vindouro. Enquanto o relógio atrasava os ponteiros para que aquele instante não findasse, de longe o mar dançava embalado por seu próprio som; e seu sorriso terminara de florescer por completo ainda maior e mais belo que o perigeu da Lua cheia.

Depois daquele dia, sempre quando ela sorri, peço perdão ao Sol por haver encontrado algo que brilhe mais que sua luz. Confidencio à Lua num canto, que já não há como tê-la de musa para meus versos de homem errante. Agradeço ao vento por me trazer um novo acalento ao peito em forma de poesia. E entrego-me ao mar para que suas ondas naveguem-me sempre ao encontro daquela que me faz feliz.



segunda-feira, 5 de maio de 2014

Deixar partir

Hoje, 05 de maio, seria o aniversário de 59 anos de meu pai. Há pouco mais de um ano, ele dava seu último suspiro deitado em sua cama. Sua saúde nunca foi das melhores, mas os dias se sucediam e eu via como sua vida definhava. Nada podia ter feito. Nada! Nós fazemos o nosso próprio caminho. Não adiantam os conselhos, não adiantam os puxões de orelha, nem pegar pelo braço e querer mostrar qual o melhor caminho que se deve tomar. Talvez o caminho que eu queria não era o mesmo que ele havia escolhido seguir.

Nessa jornada, muitas lágrimas escorreram dos olhos. O coração inquieto, a alma amiudada, a voz sempre embargada. Tropeçando pelo caminho em cada lembrança de objetos, lugares, situações. Cada tropeço uma queda. E, toda vez, a demora de me levantar. Me abraçava a mínimos detalhes do cotidiano que remontavam ao passado e à vida que levava. Não era perfeita. Porém todo o tempo tinha um pilar de sustentação que não deixava a aura baixar. Mas, e depois? "O que será da minha vida sem ele?" - Lembro bem das palavras da minha mãe pouco depois de confirmar-lhe seu adeus. Dia após dia esse "e depois" se repetia. Nessa espera incessante do depois, ia vendo o tempo passando, as pessoas passando, a vida passando... O que não deixava partir era a dor da perda, a dor da ausência, da saudade que teimava em fazer parte de minhas memórias.

O que eu jamais imaginaria era que eu precisasse perder outra coisa para perceber que necessitava domar essa dor em mim. Que eu não estava verdadeiramente pronto para assumir um outro papel de relevância se não deixasse, antes, partir o que me prendia às lembranças. Tenho buscado trabalhar meu espírito e assim lidar melhor com o mundo à minha volta. Tenho deixado a saudade somente para o que um dia volta. Para todo o resto, as lembranças desempenham a sua função. Jamais perderá a importância o que meu pai representou em minha vida, mas hoje já consigo não chorar ao lembrar de seu rosto. É preciso deixar partir. No coração deixo espaço agora só ao que está por vir.



quarta-feira, 30 de abril de 2014

Versos de chuva

Uma vez, um versador qualquer, falando sobre a falta que fazia a sua amada, disse-lhe que a chuva nada mais era que o céu desaguando suas lágrimas de saudade. Ela riu do seu exagero, sempre o viu como um homem que, de tanto que guardara seu amor para si, trazia consigo toda a poesia que aprisionara em seu peito. Mas não se vive de poesia.

A utopia dos sonhadores os levam a versos e prosas descompassados. Não em sua riqueza de detalhes ou sutileza de suas vozes, mas na carência de sentidos. Presos em aviltes mãos, as escritas que, de tanto buscarem nuances de perfeição, esquecem que à musa que lhe coube a inspiração, seus devaneios tolos podem não passar de meras palavras soltas. Nem em toda vastidão do universo caberiam versos suficientes para serenarem um coração que escolhera a solitude como sua companheira. Arranca-lhe sorrisos, talvez um olhar de compaixão ou complacência ao frustrado poeta, mas não o fulgor de seu coração.

Ao pobre versador, cabe-lhe seu caderninho de versos, a pena e o tinteiro fantasiados em moldes modernos sobre a escrivaninha e a companhia de seus malfadados poemas incompreendidos. Quanto à saudade de sua amada, pobre pensador, de tanto chover em si, afogar-se-á em suas lágrimas e nem suas poesias errantes o salvarão do triste fim do seu coração infausto.



terça-feira, 29 de abril de 2014

Não somos todos macacos

Desculpem-me os pseudo intelectuais, mas eu afirmo com veemência: Eu não sou macaco.

Negro, pobre, nascido na cidade de maior contingente negro fora da África, não me sinto representado por ninguém que segure uma banana e reproduza a hashtag "Somos todos macacos". Brancos, negros, índios, cáucasos, não importa a sua etnia, mas nós não merecemos ser chamados de macacos e nem, muito menos, dar como resposta essa atitude desprovida de senso crítico. Macacos, ainda que sejam a etapa anterior no processo evolutivo darwiniano do homem, são seres irracionais e incapazes de responderem a estímulos externos que os discriminem de algum modo.

Não me sinto representado pelos atores e apresentadores brancos da Globo que seguram suas plaquinhas cheias de esnobismo. Não me sinto representado por jogadores de futebol, ainda que negros, que ganham milhões de dólares por ano e que não sofrem preconceito na fila do banco, andando no shopping, pegando um ônibus, numa entrevista de emprego ou, simplesmente, atravessando uma rua. Não me sinto representado por pessoas comuns e anônimas que, para posarem de reacionários e monistas, só porque um jogador sei-lá-quem tirou foto assim, se acha dentro de uma tendência mundial na campanha contra o racismo.

A estigmatização do negro enquanto subproduto humano, enraizado na sociedade desde sempre, somente é reafirmada com essa campanha absurda que as pessoas tem feito. Não se dão conta quão ridículo é posar com uma banana na mão como se fosse um símbolo de poder e vanglória, como se não tivesse a mínima noção da realidade que, quem sofre com o racismo, vive diariamente.



sábado, 26 de abril de 2014

Retalhos

"Parado diante do espelho, não mais se reconhecia. Sua barba espessa cobria-lhe quase a metade do rosto. Seus cabelos acinzentados caíam sobre os ombros vestidos pela mesma camisa desbotada do dia anterior. Olheiras tão profundas e escuras das noites perdidas na varanda de sua casa a espera sabe-se lá de que. O café e o cigarro lhe amarelaram os dentes e deixaram um gosto amargo em sua boca. Seus olhos azuis, antes tão cheios de vida, hoje viviam mareados das lágrimas sofridas desde aquele último adeus. Sua pele pálida contrastava com o sol que teimava em invadir sua janela como se tentasse arrancá-lo de dentro daquele casulo. Perdera cinco, talvez dez quilos. Ou talvez ganhara. Não se lembrava mais como era seu próprio corpo. 

Sua casa cheirava a mofo. Não pelos objetos antigos, dos quais nunca se desfizera, mas pelos canos sob as paredes que envelheceram junto com ele. Seu violão desafinado acumulava poeira no canto da sala. Sua televisão já nem ligava mais. Suas únicas companhias eram o velho rádio valvulado, herança de seu pai, e um cão vira-lata que dormia em sua varanda de vez em quando. Por ele ainda conseguia ensaiar alguns sorrisos. Vivia de umas economias guardadas e da ajuda de uma vizinha, uma velha senhora que lhe levava uma ou outra refeição. Talvez por pena. Nunca lhe perguntou o motivo de sua solidão. Tinha dele somente um "obrigado" e a visão de um porta-retrato na estante da sala. Na foto, ele num raro sorriso, uma jovem mulher e um garoto. Numa manhã qualquer de inverno, enquanto uma fina chuva precipitava-se sobre seu jardim, aquele homem sucumbiu ao frio que se instalara em seu peito. Morreu sem ter conhecida a sua história, morreu na lembrança de seu último adeus".


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Quanto tempo dura um mês?

"Pedro vivia dentro do mundo que ele mesmo criou. As pessoas entravam e saíam da sua vida com a mesma velocidade. Sentia realmente que era diferente, não se importava com o que os outros poderiam dizer sobre o seu modo de encarar a vida. Eram beijos lascivos, corpos desnudos, sinésteses superficiais, seus pudores morreram junto com a sua última dose de uísque num março qualquer. Airou-se e cansou. Enraizado dentro do seu próprio ser, fechou-se para quem não poderia te oferecer mais que um sorriso vazio e uma taça de um vinho qualquer. E assim levou-se por algum tempo até que, por obra do acaso, encontrou Alba. Encantou-se. Encantaram-se. Ela cansada de amores vazios e ele de amores vadios. Viveram sensações que, até então, jamais haviam experimentado. Encontraram-se e beijaram-se e amaram-se e... ela disse adeus. Durou o tempo da Lua mostrar suas quatro faces. Durou o tempo para que lhe fosse inesquecível".

Nossa vida costuma ser marcada por lembranças que ficarão guardadas na memória eternamente. Pessoas, lugares, fatos, momentos, tudo é passível de angariar um espaço dentro de nós. Viver intensamente esses fatores acaba sendo uma via de dois extremos. Ou se entrega até que a sua alma pertença àquele mundo e cuja reciprocidade lhe faz sentir-se ainda mais incontido dentro de si, ou o universo que você construiu dentro da idéia da perfeição daquele instante, te dá uma rasteira que lhe faz cair em câmera lenta vendo tudo o que viveu passar diante do seu nariz como um falso cristal. Quebra-se, espatifa-se e demora tanto para juntar novamente os cacos. Mas junta-se. A vida é para correr riscos, não há espaços para arrependimentos. No máximo reconstruir-se ainda mais forte, ainda mais sábio. Reconstruir-se.

"No fundo Pedro ainda tinha uma vã esperança de que ele apenas sonhara. Não o encontro, mas o adeus. E que, desta vez, a Lua fosse mera espectadora do que Alba guardara para ele. Não foi um adeus, reconstruíra-se, era um até breve".