(Para ouvir enquanto lê: Everybody hurts - R.E.M.)
Em fevereiro far-se-ão dois anos do falecimento de meu velho pai. Hoje, revisitando algumas pastas há tempo intocadas no meu computador, me deparo com esse texto que escrevi quando aproximavam-se os 4 meses de seu desencarne. Já não choro mais sua partida, mas a saudade jamais deixa de estar presente.
Os últimos momentos não foram
os ideais. Uma doença silenciosa, mas que deixava sua aparência
cada vez mais definhada, as formas de seu rosto e de seu corpo não
eram as que permitiam dizer que havia algum resquício de saúde
naquele velho, baixinho e gordo homem. Seu semblante cansado, sua
fala arranhada, triste, seu andar devagar, quase um arrastar de pés
para subir as escadas afim de repousar sobre sua cama e esperar mais
um dia chegar ao fim. Tantas vezes naquele último dia eu subi para
te dar água, para sentir sua febre, perguntar se precisava de mais
algo ou, simplesmente, como na última vez que ouvi sua respiração,
velar o seu sono e te dizer boa noite sem pronunciar uma única
palavra. Parece que eu já havia percebido que não adiantaria mais
interferir no que, naquele momento, já se demonstrava como óbvio.
Questionar a vontade de Deus de te levar para perto dele seria
egoísmo da minha parte. Quanto do homem que eu vi lutar toda uma
vida restara sobre aquela cama? Quantas lágrimas eu vi derramarem
dos seus olhos pela doença de minha mãe e a culpa que você teimava
em colocar sobre si, quando na verdade não haveria em quem indicar
culpados? Quantas vezes o vi sorrir ao escutar um velho samba no
rádio e cantarolar com saudosismo dos tempos que jamais voltariam?
Quanto amor eu via em teus olhos ao se aproximar de minha mãe e
dar-lhe mais um beijo de despedida para iniciar uma jornada de
trabalho ou para findar um dia cansativo de batalha? Quanto eu já
ouvi de reclamações por eu chegar tarde, por não falar ao
telefone, por responder com valentia ou por desobedecer às tuas
ordens? Quantos ‘quantos’ eu poderia descrever só para dizer o
quanto eu sinto a falta de você por perto? Medir a dor pelo tamanho
da saudade ou a saudade pelo tamanho da dor? No dia da sua partida eu
via no rosto de cada pessoa que passava por mim o quanto você foi
especial para cada um. Minhas lágrimas teimaram em não cair e, em
raríssimos momentos, ensaiei o choro mas logo controlava minha
tristeza. Havia pessoas ali que precisavam de alguém forte e seguro
o suficiente ao lado para demonstrar que seria capaz de seguir
adiante, de abraçar a todos e dizer – Agora é comigo! – Lêdo
engano... Minha principal fraqueza foi não ser forte ao tentar
mostrar aos outros que eu seria forte. E os dias foram passando, as
pessoas passando, o tempo passando, a tristeza... não, esta não
passou. Deixei de lado coisas importantes da minha vida por um luto
que, agora, era só meu. Gente que estaria ao meu lado sob qualquer
circunstância eu deixei ir embora. Minhas lágrimas não pediam mais
permissão para se esvaírem de meus olhos e, qualquer lugar era
lugar, qualquer hora era hora, elas margeavam meu rosto. Me vi
vivendo o que eu achei que eu jamais seria: alguém recluso dentro de
meu próprio ser. Aproximam-se os 4 meses de seu último suspiro. 4 meses de uma luta dentro de mim para retomada de uma energia que me
fora arrancada de repente. Perder você não estava nos meus planos.
Ainda que eu soubesse que, um dia, isso viria a acontecer, eu não
estava pronto. Lutar todos os dias contra essa dor tem me feito
alguém mais duro com o mundo, mais duro comigo mesmo. Exijo de mim
todos os dias ser, ao menos, metade do que você foi para todos nós.
Exijo de mim ter, ao menos, metade da hombridade e da honradez com
que você levou a sua vida. Quando eu conseguir ser, ao menos, metade
do que você foi, pai, prometo seguir adiante com os meus próprios
passos. E que toda essa dor se transforme em lembranças do que você
ensinou para que eu possa perpetuar o que o seu coração foi capaz
de fazer por mim e por todos que passaram pelo teu caminho.
Fonte: newsdomundo.wordpress.com |