terça-feira, 3 de junho de 2014

O que os olhos não veem

Andava pelos bares da vida. Entre uma cerveja e outra, lembrava daquele último romance que tanto o marcou. De fato, não esquecera por completo. Ou nem pela metade. Talvez ainda vivesse diariamente a ode de um amor que se foi e levou seu eu junto. Era seu corpo que perambulava pela vida. Vivia. Como qualquer outra pessoa que cruzava seu caminho, ele vivia. Cada um com seus medos, problemas, com suas idéias, convicções... Mas para ele faltava algo. Aliás, dentro dele algo se fazia ausente. Se em sua mente a imagem dela ainda era constante, nele havia algo que se perdera no caminho.

Festas vazias e cheias de gente. Beijos intensos sem gosto algum. Corpos desnudos que não arrepiavam-lhe a pele. Não deixava de sorrir jamais. O reflexo de sua alma não precisava estar estampado em capas de jornais. Vestia o seu melhor sorriso e desfilava o que as pessoas queriam ver. Por dentro, só ele sabia quantas feridas ainda precisavam ser cicatrizadas. Buscou novas histórias, novos caminhos, novos amores... mas quando fechava os olhos, era no mesmo lugar que sonhava em estar. Abria-os. De repente era o olhar dela nos outdoors espalhados pela cidade. Era o sorriso dela nos rostos das moças que flertavam na mesa ao lado. Era o jeito dela de mexer no cabelo num corpo qualquer ao qual se entregava pela noite adentro. Ele gelava. Sorria e lembrava. Acordava. Não, não era ela. Pagava outra cerveja, acendia o cigarro e partia. Algo se perdera no caminho.

Ele jamais lutou para esquecê-la. Seria uma dessas batalhas desleais, um único homem contra um exército de lembranças. Ele vai continuar se encontrando pelos bares, pelos lábios, pelos corpos. Se encontrando com o eu que ele não reconhece. Pelo caminho, algo se perdera. Mas ele sabia onde... sabia a rua, a casa, sobre qual mesa. O que os olhos não veem, só ele quem sente. Seu coração ainda pulsava no mesmo lugar.



Um comentário:

  1. Exatamente. Acho que lutar não mudaria nada. Seria estar entre várias pessoas e lembrar do toque. Seria prender a respiração com versos tristes de uma canção. Seria querer chorar e não conseguir, aprisionar e nunca deixar ir. Viver as lembranças, uma e outra vez. Pensar em falar e se calar. O toque, o sorriso, uma expressão, mania, frase feita, risada, cara de sono, cheiro. Por Deus, o cheiro. Nada nunca apaga aquilo que a gente perdeu.

    Adorei o texto.

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