terça-feira, 13 de maio de 2014

Ser livre não é estar só

Sentado à escrivaninha, a planilha de texto aberta na tela do notebook à sua frente e, das caixas de som, a melancolia indie do Los Hermanos anestesiava seu corpo junto ao café amargo naquela noite chuvosa de domingo. Rabiscava num bloquinho ao lado contornos que lembravam pássaros. Talvez fosse seu inconsciente lhe dando sinais do que estava te trazendo aquela angústia que tanto lhe afligia o peito.

Desde que escolhera o som do silêncio como companhia, abrira mão das sensações que sua breve vida a dois lhe proporcionara. Não tinha mais o último beijo de boa noite, as ligações no meio do dia para um simples "oi", ou as mensagens que lhe arrancavam sorrisos nas tardes cinzentas e monótonas de trabalho. Também não mais havia a expectativa de sua voz ao interfone, as mordidas no braço durante os filmes do Tarantino, ou os abraços surpresa por trás enquanto lavava a louça e ensopava a camisa na beira da pia. Findaram-se os passeios noturnos a dois, as palavras de incentivo para terminar aquela resenha chata do texto de Vygotsky, ou as caretas e o "mwaah" que quebravam o silêncio e geravam crises de risos. No álbum de imagens do celular, as fotos que "roubou" do facebook dela e que enfeitaram seu plano de fundo um dia, ainda estavam perdidas por lá. Lembrou que nunca tiraram uma foto juntos, mas o rosto dela continuava estampado em sua mente como o quadro de Vicente Romero dava vida à sua sala. A liberdade que escolhera para ganhar o mundo conflitava com o conforto que aquele abraço tanto lhe proporcionou. De que adiantava a liberdade de voar como um pássaro se era naquele ninho que encontrava a paz quando queria adormecer?

E depois de mais um gole no amargo café já quase frio sobre a mesa, pensou:
- Porra, trocaria essa maldita liberdade para estar com ela outra vez.



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