quarta-feira, 21 de maio de 2014

Das cartas que não mandei

15 horas.

Pedro esperava seu voo na sala de espera do aeroporto. Em uma hora partiria para não mais voltar. Resolveu se dar novas chances, novos ares. Enquanto aguardava, Pedro olhava outras pessoas se despedirem. Beijos ternos de casais apaixonados, abraços de saudade da partida ou de agradecimento por ter vindo, avós em netos, filhos em pais, amigos. Gente sozinha mexendo em seus notebooks, celulares, tablets. Pedro tinha uma carta em suas mãos. Lia-se no verso: Alba. Uma das muitas cartas que nunca entregou.

Gostava de escrever. Se pudesse, escreveria todos os dias. Se expressava melhor quando traduzia no papel o que sentia. Mas sobre aquela carta... 

Falaria de como seu dia fora corrido, de como sua saudade continuava ali, latente no peito. Talvez citasse o tio Fred, que voltara a Recife com uns quilos a mais, mesmo dizendo que se exercitara todos os dias na visita à vó Dete. Ou não. Poderia somente lembrar de quando, uma vez, à noite na praia, cataram conchas de cores e tamanhos variados e entrelaçaram seus braços sem ver o tempo até o mar molhar seus pés. Diria das músicas que cantaram juntos nas rodas de amigos. Os mesmos com os quais madrugavam jogando carta e falando sobre como a nova geração desconhece os clássicos nacionais. Fagner, Caetano, Bethânia, Oswaldo, Elis lhes fizeram companhia. Contaria causos da sua rua, como o da vizinha com seus dez gatos. Mas só para descontrair, nem se animava com fofocas. Falaria de como fazia falta o abraço dela quando seu mundo pedia calma. Da sintonia sob os lençóis, se limitaria a falar que seus corpos se transformavam em um só. Das bobagens que ela encanava de seu próprio corpo e ele dizia ser perfeito, diria de forma bem sutil. Ela falava que um bobo apaixonado não vê defeitos. Mas ele via. Não se importava. Era a perfeição de ser imperfeita do que ele mais gostava nela. O que contava era o infinito que vinha dos seus olhos, aquilo que só vê quem os fecha e sente. Lembraria das noites de chuva em que não estavam juntos, mas os pensamentos convergiam ao mesmo lugar. De como eram raros seus sonhos, mas em um deles, Bob, Amy e Joplin eram seus cães de estimação. Na carta escreveria que nenhum silêncio é tão doloroso quanto o da ausência dela quando partiu.

- Voo 652 para São Paulo, portão 5. Embarque imediato.

Quebrado o seu silêncio, pegou o seu bilhete e parou diante do corredor ao avião. Escutou de longe um suave ressoo de voz - Espera! -. Olhou sua mão e a carta ainda estava ali. Pelo atraso de alguém desconhecido, pelas palavras que nunca disse, pelas cartas que nunca mandou... olhar para trás não fazia sentido. Continuou em passos lentos para o esquecimento. Até lembrar na próxima carta que jamais enviará.


sexta-feira, 16 de maio de 2014

Gratidão

Assim como chegou, se foi. Enquanto ele andava feliz com a solidão que lhe acompanhava, ela surgiu. Pouco se demorou. Plantou sorrisos e flores em seu jardim. Deu-lhe carinho, abraços, madrugadas em claro e uma alma mais tranquila. Mexeu com seu ego, sua aura, seus cabelos e seu coração. Cataram conchas, contaram estrelas, fizeram planos... Mas ela precisou partir. Tinha muito ainda para encontrar antes de fixar moradia em algum peito. Pediu desculpa, deixou-lhe um beijo e disse adeus. Assim como surgiu, pouco se demorou, ela partiu.

Fugia da sua compreensão os motivos daquele repentino adeus, mas teve de aceitar. Doeu? Sim! Misturado a algumas lágrimas, um ego partido e o gosto da despedida, que não conseguira dar, preso à garganta, ele precisou se contentar com o vazio que retomava o lugar ao seu lado.  Cerrou os olhos e olhou para dentro de si, mas não se encontrou.

Ali dentro agora morava um coração capaz de impulsionar seu corpo a percorrer longas distâncias só para ter o aconchego de um abraço especial. Encontrara um homem que transformou as cores de seu céu, de cinzas nuvens  na cintilância da aurora boreal. Em seu peito já não batia mais um coração cansado das derrotas nas batalhas que enfrentou na vida, mas esperançoso das conquistas que poderiam vir. Percebera que seus olhos já não miravam o céu como em súplica para iluminar seus passos vindouros, mas fitava firme e seguro o horizonte, muito além de onde o céu e a terra se confundiam no infinito que jamais poderia antes prever. Dentro de si encontrou um coração que pulsava rubro e compassado, certo de que, finalmente, o amor poderia viver ali novamente.

Acordou, libertou-se do passado e voltou a sorrir. Ela, que pouco se demorou, sem saber, havia o refeito mais consciente de si. Enxugou suas lágrimas, guardou o amor por ela numa concha sobre a estante e sussurrou como se ela ainda o pudesse escutar - Obrigado, peixinha. Um dia, quem sabe, a gente ainda se bata por aí... -, e se foi. O mundo era seu outra vez.


terça-feira, 13 de maio de 2014

Ser livre não é estar só

Sentado à escrivaninha, a planilha de texto aberta na tela do notebook à sua frente e, das caixas de som, a melancolia indie do Los Hermanos anestesiava seu corpo junto ao café amargo naquela noite chuvosa de domingo. Rabiscava num bloquinho ao lado contornos que lembravam pássaros. Talvez fosse seu inconsciente lhe dando sinais do que estava te trazendo aquela angústia que tanto lhe afligia o peito.

Desde que escolhera o som do silêncio como companhia, abrira mão das sensações que sua breve vida a dois lhe proporcionara. Não tinha mais o último beijo de boa noite, as ligações no meio do dia para um simples "oi", ou as mensagens que lhe arrancavam sorrisos nas tardes cinzentas e monótonas de trabalho. Também não mais havia a expectativa de sua voz ao interfone, as mordidas no braço durante os filmes do Tarantino, ou os abraços surpresa por trás enquanto lavava a louça e ensopava a camisa na beira da pia. Findaram-se os passeios noturnos a dois, as palavras de incentivo para terminar aquela resenha chata do texto de Vygotsky, ou as caretas e o "mwaah" que quebravam o silêncio e geravam crises de risos. No álbum de imagens do celular, as fotos que "roubou" do facebook dela e que enfeitaram seu plano de fundo um dia, ainda estavam perdidas por lá. Lembrou que nunca tiraram uma foto juntos, mas o rosto dela continuava estampado em sua mente como o quadro de Vicente Romero dava vida à sua sala. A liberdade que escolhera para ganhar o mundo conflitava com o conforto que aquele abraço tanto lhe proporcionou. De que adiantava a liberdade de voar como um pássaro se era naquele ninho que encontrava a paz quando queria adormecer?

E depois de mais um gole no amargo café já quase frio sobre a mesa, pensou:
- Porra, trocaria essa maldita liberdade para estar com ela outra vez.



quinta-feira, 8 de maio de 2014

Quando ela sorri

Havia uma garota em minha rua por quem eu era apaixonado. Não daquelas paixões avassaladoras do coração quase sair pela boca quando ela passava, mas de palpitar sereno no peito quando ela ia ao meu encontro. Também não de causar tremedeira nas pernas e rubor na face, mas de me fazer suar as mãos ao entrelaçarmos os dedos e me abrir um sorriso bobo na boca ao mínimo gesto de carinho. Mas, mais que o fascínio que ela exercia em mim, era o poder que tinha de parar o mundo com um simples descerrar de seus lábios.

A primeira vez que me presenteou com seu sorriso, foi como se eu houvesse descoberto o maior segredo do universo (acabei descobrindo depois que era o da minha felicidade)! Parecia que tudo em seu rosto seguia uma sincronia perfeita dos passos de um folguedo clássico. Cada curva que se formava a partir do seu sorriso era de uma sutileza que o meu coração já nem mais batia, carnavalizava no peito. Enquanto ressoava alguma canção de mansinho em mim, tudo nela entrava em sintonia para fazer valer o que estava para emanar de perfeição de seu rosto. Ao tempo dos seus finos lábios se abrirem, o vento farfalhava as folhas das copas que rodeavam nosso encontro, seu rosto se inclinava como se quisesse esconder-se sob seus negros cabelos; e os pássaros assobiavam como em coro a musiciar nosso encontro. Seus olhos semicerravam devagarinho, o Sol se escondia por detrás dos prédios por não poder concorrer ao brilho que logo dali viria; e suas bochechas cresciam sobre o rosto e se encaixavam perfeitas como a aurora de um dia vindouro. Enquanto o relógio atrasava os ponteiros para que aquele instante não findasse, de longe o mar dançava embalado por seu próprio som; e seu sorriso terminara de florescer por completo ainda maior e mais belo que o perigeu da Lua cheia.

Depois daquele dia, sempre quando ela sorri, peço perdão ao Sol por haver encontrado algo que brilhe mais que sua luz. Confidencio à Lua num canto, que já não há como tê-la de musa para meus versos de homem errante. Agradeço ao vento por me trazer um novo acalento ao peito em forma de poesia. E entrego-me ao mar para que suas ondas naveguem-me sempre ao encontro daquela que me faz feliz.



segunda-feira, 5 de maio de 2014

Deixar partir

Hoje, 05 de maio, seria o aniversário de 59 anos de meu pai. Há pouco mais de um ano, ele dava seu último suspiro deitado em sua cama. Sua saúde nunca foi das melhores, mas os dias se sucediam e eu via como sua vida definhava. Nada podia ter feito. Nada! Nós fazemos o nosso próprio caminho. Não adiantam os conselhos, não adiantam os puxões de orelha, nem pegar pelo braço e querer mostrar qual o melhor caminho que se deve tomar. Talvez o caminho que eu queria não era o mesmo que ele havia escolhido seguir.

Nessa jornada, muitas lágrimas escorreram dos olhos. O coração inquieto, a alma amiudada, a voz sempre embargada. Tropeçando pelo caminho em cada lembrança de objetos, lugares, situações. Cada tropeço uma queda. E, toda vez, a demora de me levantar. Me abraçava a mínimos detalhes do cotidiano que remontavam ao passado e à vida que levava. Não era perfeita. Porém todo o tempo tinha um pilar de sustentação que não deixava a aura baixar. Mas, e depois? "O que será da minha vida sem ele?" - Lembro bem das palavras da minha mãe pouco depois de confirmar-lhe seu adeus. Dia após dia esse "e depois" se repetia. Nessa espera incessante do depois, ia vendo o tempo passando, as pessoas passando, a vida passando... O que não deixava partir era a dor da perda, a dor da ausência, da saudade que teimava em fazer parte de minhas memórias.

O que eu jamais imaginaria era que eu precisasse perder outra coisa para perceber que necessitava domar essa dor em mim. Que eu não estava verdadeiramente pronto para assumir um outro papel de relevância se não deixasse, antes, partir o que me prendia às lembranças. Tenho buscado trabalhar meu espírito e assim lidar melhor com o mundo à minha volta. Tenho deixado a saudade somente para o que um dia volta. Para todo o resto, as lembranças desempenham a sua função. Jamais perderá a importância o que meu pai representou em minha vida, mas hoje já consigo não chorar ao lembrar de seu rosto. É preciso deixar partir. No coração deixo espaço agora só ao que está por vir.