terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Desassossego

- Eu... Eu... Eu... Me apaixonei por você!

Foi assim que começou a nossa última conversa. Sem primeiro dar um abraço, aquele sorriso característico seu ou perguntar se melhorei da gripe da semana passada. Chegou, sentou à minha frente e me largou essa bomba na mesa, às quatro horas da tarde, à sombra da amendoeira na pracinha em frente ao seu departamento na faculdade. Seu olhar era de quem tinha visto um fantasma! Nunca o tinha visto assim antes. Certo que nas três últimas semanas havíamos nos falado pouco e nos visto menos ainda. Primeiro as provas, depois a viagem dele à casa dos pais no interior e, por último, minha gripe que me derrubou na cama por sofríveis dias. 23 de janeiro de 2017, também conhecido popularmente por “hoje”.

Nunca tínhamos delimitado até onde iríamos na nossa relação. Ficamos. Ou ficávamos. Já não sei bem exatamente. Também já nem lembro desde quando. Mas não era apenas uma satisfação da necessidade dos nossos corpos. Ok... Talvez tivesse sido isso no início, mas com o tempo foi deixando de ser. Falávamos todos os dias, não como uma obrigação, mas é que fazia falta quando isso não ocorria. Mesmo que fosse só para dizer um “oi, beijo e tchau”... era uma maneira leve de dizer um “pensei em você”. De vez em quando ainda ouvíamos de nossos amigos aquele velho clichê do “vai dar em namoro”. Ríamos. Será? Acho que não. Nesse momento não era o que passava pelas nossas cabeças. E falo “nossas” porque já tínhamos conversado sobre isso antes. Meu término de namoro recente e seus planos de mudança para outro Estado falavam mais alto.

Mas o que havia mudado de três semanas para cá? Seu olhar antes tão cheio de ternura, agora demonstrava um misto de angústia, de susto, medo. Aquele cara tão seguro de si, tão cheio de desenvoltura para falar e de atitudes tão sóbrias e de pensamento rápido, parecia um menino acuado, com medo do desconhecido. Sua voz quase não saía, o olhar se perdia em meio a tudo o que havia ao redor e nunca conseguia se fixar em mim, ali, parada à sua frente!

- Ana... Não sei quando exatamente aconteceu... Mas andei pensando muito em você esses dias... Mais do que o normal, sabe?! Mais do que eu poderia imaginar. Me dei conta disso quando encontrei uma foto sua perdida em meu celular e, desde então, todos os dias, continuo dando um jeito de me perder só para chegar ao mesmo lugar...

Fiquei atônita. Primeiro porque ele nunca me chamava pelo primeiro nome. Segundo porque ele me mostrou a foto e eu me lembrei exatamente como foi aquele dia. Olha que eu nunca fui muito boa de memória, mas aquela foto me fez ter uma infinidade de lembranças de cada detalhe daquele dia em que estivemos juntos. E, por último, pelo seu pedido de desculpas. Quem pede desculpa por se apaixonar? Aonde tinha escrito que não estávamos sujeitos a sentir algo mais forte um pelo outro? Somos humanos, caceta! Somos perfeitamente imperfeitos! Ninguém assina um contrato quando vai ficar com alguém e tem que rubricar na cláusula 12.1.3 onde diz que “é terminantemente proibido se apaixonar”.

Eu confesso que não esperava. O que eu fiz para merecer alguém apaixonado por mim? Ainda mais ele: Felipe! Um cara que nove entre dez mulheres dariam um rim para ficar com ele. Não, péra. Um rim não. Um brigadeiro talvez. Mas um cara que poderia facilmente encantar quem ele quisesse. Desses caras apaixonantes, sabe?! Mas era por mim! Eu fiquei totalmente sem reação! Aliás, antes mesmo de eu dizer qualquer coisa, ele emendou:

Fonte: Pinterest

- Talvez essa paixão seja um erro. Você é importante para mim de um jeito único. Acho melhor dar um tempo... Não quero estragar a amizade que a gente construiu. Só preciso entender o que tá rolando comigo, tá bem?! Não diz nada... Só me deixa ir embora...

Me deu um abraço apertado como nunca havia me dado antes, sorriu meio sem jeito e partiu. E eu? Deixe ele ir... Não que eu quisesse vê-lo sair daquele jeito. Não que eu não sentisse vontade de correr, abraçá-lo ainda mais forte e dizer para deixar de bobagem, pois eu também o queria ao meu lado. Não que eu estivesse confortável em ver indo embora o homem que, nos últimos meses, me despertou diversas sensações que fizeram eu me sentir desejada não pelo que me enxergam através dos olhos, mas pelo que me conhecem do meu modo mais inteira e tão cheia de defeitos. Logo aquele cara que tanto me trouxe coisas boas nesses últimos tempos, que me foi um elo de força em momentos que eu precisei, que me causou alguns dos meus melhores sorrisos e me arrancou desejos, segredos, gargalhadas, suspiros... Ele que, no momento em que eu mais buscava sossego, me causou tanto desassossego... E partiu sem me deixar dizer que também me bagunça... Apaixonado por mim?!