terça-feira, 10 de junho de 2014

Depois da meia-noite

(Para ouvir enquanto lê: Another Lonely Day - Ben Harper)






Ontem à noite senti a sua falta. Era uma noite qualquer, igual a várias que a antecederam. Algumas nuvens no céu, o cheiro de chuva se anunciando um pouco mais distante, a rua de poucos carros passando... Eram 22, talvez 23 horas, não sei bem. Poderia ser alta madrugada que eu não sentiria. Ontem à noite o tempo parecia passar devagar. Os ponteiros do relógio vagavam pelo quarto como plumas arrastadas pelo vento. Não havia direções... ou eram todas as possíveis. Descompassado sobre a estante com o tic-tac abafado pela chuva que se aproximava, o relógio parecia seguir os batimentos em meu peito.

A caneca de café que você me deu, repousava sobre a mesa do computador. Aquela mesma que você comprou numa venda de garagem em sua viagem para São Paulo. Dizia que parecia comigo. Um rosto de barba de um lado, grãos de café em forma de coração do outro. A fumaça me embaçava os óculos. Meus olhos castanhos e pequenos, que quase sumiam sob o rosto quando me fazia rir, surgiam. Olhos que brilhavam toda vez que você soltava seus longos cabelos negros. Olhos que se fechavam toda vez que seus lábios encontravam os meus. O mundo parava, as horas paravam, o coração não. Batia mais forte. Pulava no peito, como se, a qualquer momento, fosse saltar sobre suas mãos e dissesse - Cuida! -. Vermelho, pulsante. A chuva já se precipitava janela a dentro. Ensaiei levantar para fechá-la, mas o som dos pingos sobre a sacada me anestesiaram. A saudade de você me dominou o peito como o vento frio que, sem pedir licença, invadiu o quarto. Era uma saudade estranha. Não daquelas nostálgicas do que fomos, mas do que poderíamos ter sido. Não do primeiro dia que nos vimos, nos beijamos, que começamos a namorar. Mas dos seus sorrisos que deixavam de serem refletidos em minh'alma. Do gosto de seus lábios que não mais acariciavam os cantos de minha boca. Dos falsos planos que fazíamos juntos para um futuro distante. Não tínhamos certeza do amanhã, mas você sempre agradecia por te incluir, por mais loucos que fossem, nos meus sonhos mais longínquos. Ontem à noite senti muito a sua falta.

A chuva continuava a cair do lado de fora e dentro de mim. Já passava da meia-noite, talvez uma, duas horas da madrugada. A rua silenciara sem o movimento dos carros e pessoas. O tic-tac do relógio em compasso com meu peito me mostrava que era hora de recolher o corpo. O coração não. Seu repouso tinha como morada o mesmo colo que a saudade teimava em trazer de volta. Era seu outra vez.







5 comentários:

  1. Eu sigo procurando em vão, por você, por esse mais de mês de inexistência. Não sei mais que medida adotar ou por onde lugar que se pise buscar. Você assassinou com faca a bondade que havia em mim e se recusou a ver sangrar. Muito obrigada por isso, essa foi a melhor das muitas coisas que fez por mim. Tenho lido em silêncio seus muitos versos, mas tanto silêncio se juntou que fez este barulho: o teclar do meu computador chato para te escrever. Você imprime em arte muito do que eu sinto, me vejo compartilhando muitos sorrisos e lágrimas suas.
    Ninguém me remete mais à plenitude de viver, em cócegas e em dor, do que um certo Vilas Bôas, talvez tão Bôas para justificar esse acento. Vaga idéia não faço de quanto tempo me resta agora para viver o que tanto sonhei, para eternizar em memória muito do que eu nunca vivi. Não faço menção à vivacidade desses amores poéticos tão postados aqui, mas ao sugar o frescor desse coração que pulsa nas mais variadas frequências, no contemplar o sarcasmo do sorriso, no toque amistoso e desinteressado, no compartilhar de alguma coisa qualquer coisa fosse.
    O esfarelar desse relógio me ocorre como um insight sinistro. Eu morri na hora e renasci quase que imediatamente. Todo tempo é pouco e pouco tempo pode ser muito, querido Vitor.
    Aproveitando o cair da chuva, o tardar da hora que se apresenta em meu relógio e a saudade que sinto de você, faço valer as palavras do sábio Moderno quando me diz que quem não é visto não é lembrado.
    Um beijo

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    1. "Quem não é visto não é lembrado" - n compartilho dessa idéia. Quanto de lembranças vivo na ausência aos olhos?

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  2. Espero estar nessa vasta coleção de lembranças. Feliz com sua perspectiva.

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    1. Existem lembranças q n se apagam. Há qm continue presente, vivo no coração, msm q ausente aos olhos. E eis q surge uma épica luta vã. Como esquecer qm n se qr esquecer?

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