sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Para quando a saudade apertar.

(Para ouvir enquanto lê: Everybody hurts - R.E.M.)



Em fevereiro far-se-ão dois anos do falecimento de meu velho pai. Hoje, revisitando algumas pastas há tempo intocadas no meu computador, me deparo com esse texto que escrevi quando aproximavam-se os 4 meses de seu desencarne. Já não choro mais sua partida, mas a saudade jamais deixa de estar presente.


Os últimos momentos não foram os ideais. Uma doença silenciosa, mas que deixava sua aparência cada vez mais definhada, as formas de seu rosto e de seu corpo não eram as que permitiam dizer que havia algum resquício de saúde naquele velho, baixinho e gordo homem. Seu semblante cansado, sua fala arranhada, triste, seu andar devagar, quase um arrastar de pés para subir as escadas afim de repousar sobre sua cama e esperar mais um dia chegar ao fim. Tantas vezes naquele último dia eu subi para te dar água, para sentir sua febre, perguntar se precisava de mais algo ou, simplesmente, como na última vez que ouvi sua respiração, velar o seu sono e te dizer boa noite sem pronunciar uma única palavra. Parece que eu já havia percebido que não adiantaria mais interferir no que, naquele momento, já se demonstrava como óbvio. Questionar a vontade de Deus de te levar para perto dele seria egoísmo da minha parte. Quanto do homem que eu vi lutar toda uma vida restara sobre aquela cama? Quantas lágrimas eu vi derramarem dos seus olhos pela doença de minha mãe e a culpa que você teimava em colocar sobre si, quando na verdade não haveria em quem indicar culpados? Quantas vezes o vi sorrir ao escutar um velho samba no rádio e cantarolar com saudosismo dos tempos que jamais voltariam? Quanto amor eu via em teus olhos ao se aproximar de minha mãe e dar-lhe mais um beijo de despedida para iniciar uma jornada de trabalho ou para findar um dia cansativo de batalha? Quanto eu já ouvi de reclamações por eu chegar tarde, por não falar ao telefone, por responder com valentia ou por desobedecer às tuas ordens? Quantos ‘quantos’ eu poderia descrever só para dizer o quanto eu sinto a falta de você por perto? Medir a dor pelo tamanho da saudade ou a saudade pelo tamanho da dor? No dia da sua partida eu via no rosto de cada pessoa que passava por mim o quanto você foi especial para cada um. Minhas lágrimas teimaram em não cair e, em raríssimos momentos, ensaiei o choro mas logo controlava minha tristeza. Havia pessoas ali que precisavam de alguém forte e seguro o suficiente ao lado para demonstrar que seria capaz de seguir adiante, de abraçar a todos e dizer – Agora é comigo! – Lêdo engano... Minha principal fraqueza foi não ser forte ao tentar mostrar aos outros que eu seria forte. E os dias foram passando, as pessoas passando, o tempo passando, a tristeza... não, esta não passou. Deixei de lado coisas importantes da minha vida por um luto que, agora, era só meu. Gente que estaria ao meu lado sob qualquer circunstância eu deixei ir embora. Minhas lágrimas não pediam mais permissão para se esvaírem de meus olhos e, qualquer lugar era lugar, qualquer hora era hora, elas margeavam meu rosto. Me vi vivendo o que eu achei que eu jamais seria: alguém recluso dentro de meu próprio ser. Aproximam-se os 4 meses de seu último suspiro. 4 meses de uma luta dentro de mim para retomada de uma energia que me fora arrancada de repente. Perder você não estava nos meus planos. Ainda que eu soubesse que, um dia, isso viria a acontecer, eu não estava pronto. Lutar todos os dias contra essa dor tem me feito alguém mais duro com o mundo, mais duro comigo mesmo. Exijo de mim todos os dias ser, ao menos, metade do que você foi para todos nós. Exijo de mim ter, ao menos, metade da hombridade e da honradez com que você levou a sua vida. Quando eu conseguir ser, ao menos, metade do que você foi, pai, prometo seguir adiante com os meus próprios passos. E que toda essa dor se transforme em lembranças do que você ensinou para que eu possa perpetuar o que o seu coração foi capaz de fazer por mim e por todos que passaram pelo teu caminho.


Fonte: newsdomundo.wordpress.com