quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Talvez não devesse, mas ainda te amo

(Para ouvir enquanto lê: Eu amo você - Tim Maia por Céu)




Não adianta lutar contra. Já tomei porres homéricos em botecos sujos pela cidade, já me esbaldei em baladas até o amanhecer, já me isolei por dias no meio da natureza em busca do meu eu interior. Tomei banho de mar, de ervas, de pipoca, de folha de aroeira e até de água benzida pelo papa. Conheci Júlias, Antônias, Cristinas e Marias... Mas bastou encontrar um bilhete seu perdido entre meus livros - que eu teimo em nunca terminar de ler - para que o coração caísse no fundo abismo que cavei na intenção de te esquecer.

Naquele pedaço de papel marcando uma página do Leminski, sua escrita de letras tortas não dizia muita coisa. Mas sim, dizia muita coisa. Tinha sabor de fruta madura colhida no pé, daquela bem doce, que não somente sacia a fome, mas acalenta a alma. Tinha o aroma de um campo de brancas gardênias, de sutil perfume a abrandar até o mais irrequieto coração. Era como uma orquestra de bem-te-vis invadindo os ouvidos, passeando na aurora do dia, com o descerrar de nossos olhos. Olhos que sorriam com o bilhete que marcava seu poema favorito, de onde um dia me dedicou aquele trecho. - "Basta um instante... e você tem amor bastante".

E, de repente, a nostalgia. Lembranças do que fomos e do que poderíamos ter sido. Aqueles sonhos interrompidos, planos não realizados, viagens que não saíram do papel. Brincávamos de sermos felizes. Brincávamos porque, de séria já bastava a vida. Felicidade é sinônimo de sorrisos, muitos sorrisos. De cócegas surpresas no meio da rua, de caretas durante as não raras discussões pela toalha molhada sobre a cama ou a calcinha pendurada no chuveiro. Até mesmo quando você se estabanava de rir no chão ao me ver imitar o Sílvio Santos - até hoje acho que fazia só para me agradar. Fazíamos de nossa vida um sonho bom, dispostos a sermos rainha e rei de nosso próprio destino.

Talvez, por ironia do destino, aquele bilhete que de tanta alegria me fez lembrar, me trouxe algumas lágrimas a lavarem meus olhos. Acho que o próprio Leminski que um dia disse: - "A noite enorme, tudo dorme. Menos teu nome" - E assim, de tanto adormecer com seu nome acordado em mim, talvez não devesse, mas, desculpa, ainda amo você.


Fonte: http://bfontes.tumblr.com/

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