terça-feira, 18 de agosto de 2015

Ele era um cara comum e invisível – e foi exatamente isso que me conquistou (por Aline Xavier)

Não era bonito como o Barry Sloane e o Gabriel Mann, não falava “jargonês” como os doutorandos da faculdade em que me formei, não se vestia como um modelo da Reserva e à primeira vista, obviamente, não me chamou a atenção em nada. Passava despercebido pela multidão com extrema facilidade. Mas algo em mim o agradou – o que fez se aproximar e me convidar pra um cappuccino, sábado à tarde, naquela cafeteria próxima do centro, na área hospitalar da cidade. E eu, disponível e sem maiores pretensões, aceitei.
Ele não era cavalheiro, daqueles que abrem a porta do carro e puxam a cadeira pra mulher sentar. Mas era atencioso e muito carinhoso, e isso definitivamente me enlouquece. Depois de cinco cafés – sim, eu tenho esse vício – comecei a mudar o meu conceito sobre ele.
Ao contrário dos outros encontros, eu não fiquei insegura, pois não estava lidando com um cara que tinha beleza nem inteligência além do normal. Daqueles que gostam de se mostrar fortes e invencíveis, verdadeiros super-homens. Nada disso. Ele estava no mesmo nível que eu, e isso me tranquilizou.
Confessou que às vezes dá má nota no trânsito, que é desorganizado e às vezes se perde no meio das suas coisas, que vez ou outra fica nervoso diante de uma mulher na primeira vez com ela, que se atrapalha ao falar sobre ele, que namorou menos do que gostaria.
Sempre desconfiei daqueles encontros que parecem ter sido milimetricamente ensaiados. Nos quais não há espaço para tropeços, atrasos ou palavras equivocadas. Em que ambos falam um português irretocável e fazem de tudo pra mostrar que são pessoas perfeitas. Porque não são. Porque ninguém é. A máscara de ser humano impecável costuma cair antes do terceiro mês de convivência. E quem idealiza, muito se decepciona. Mas como não criar expectativas nem fazer de tudo para estar à altura de quem se porta como superior e infalível? A gente acaba entrando, de forma inconsciente, num ciclo de competição interna, pra se mostrar “a pessoa certa” pro outro. Só que a pessoa certa e o relacionamento certo não existem. Dar certo é algo que se constrói diariamente, com cumplicidade, respeito e transparência, principalmente.
Pedimos a conta e, enquanto o atendente providenciava as máquinas de cartão, ele chegou mais perto. Nossas bocas se aproximaram, eu o puxei pra mais perto ainda – pois vi que estava tímido e ansioso – e sem querer eu mordi a sua boca. Um pouco forte demais. “Vamos tentar de novo?” – perguntei. E ele fez que sim com a cabeça. Ficamos mais próximos do que antes, e dessa vez os nossos dentes se bateram – eu estava muito afoita. “Não vamos deixar esse pequeno incidente estragar tudo, né? A gente tava só ensaiando. Agora vai, tenho certeza” – ele me garantiu. E foi.




ALINE XAVIER
Ex-concurseira olímpica. Psicóloga para os amigos, não sabe o que fazer com a própria vida. Apaixonada por ovelhas negras, com as quais comumente se identifica. Está na jornada em busca do seu propósito. Escreve sobre um pouco de tudo no seu site (alinexavier.me), no Superela, no blog O quinto Andar e na sua fanpage (facebook.com/alineandxavier).

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Os opostos se distraem

(Para ouvir enquanto lê: Everything you want - Vertical Horizon por Boyce Avenue)



No rádio uma velha canção embalava seus sorrisos a luzirem sob as estrelas. Seus corpos entrelaçados balançando a rede na varanda, enquanto os planos de um amanhã a dois brotavam a cada novo gole do seu Cabernet favorito. Seus olhos fitavam o horizonte, vasto e infinito como o amor que inventaram para si...

Compreender o amor não fazia parte dos seus pensamentos naquela noite. Enquanto ele pensava nas inúmeras possibilidades de lugares para conhecerem, ela sonhava com a casa avarandada com vista para a serra. Enquanto ele queria desbravar novos caminhos em uma natureza interminável, ela só pretendia ter um beijo de despedida e um desejo caloroso de um bom dia antes de ir trabalhar. Enquanto ele era temporal, ela era brisa. Enquanto ele era rush, ela se encantava com o silêncio madrigal.

Ainda assim brincavam de amar. Iludidos pela total distância entre seus quereres, talvez esperançados de que suas gritantes diferenças os alçassem a um patamar de equilíbrio por serem tão opostos. Aprenderam, quando ainda novos, que “opostos se atraem”. Só esqueceram de ler nas entrelinhas que se tratava de uma lei da física, e não é bem assim que funciona nas relações. O que os faziam ser tão diferentes e que tanto encantavam-nos foi se esvaindo, escorrendo pelas mãos como grãos de areia. O que antes fazia sorrir, ganhou contornos duros e de malfadadas feições...

- Por que você não pode mudar?
- Esqueceu que me conheceu assim?
- Mas eu pensei que...

Pensou que... o outro pode mudar porque já não o agrada mais da mesma forma? Ninguém é obrigado a estar com alguém que goste sempre das mesmas coisas, ter as mesmas ideias, os mesmos pensamentos... Convenhamos, logo logo se tornaria a relação mais entediante do mundo. Mas moldar o outro de acordo com seus gostos? Nem moldar e nem deixar ser moldado, ok?! Somos reflexos de nossos sonhos, nossos desejos. Somos personagens principais da nossa própria história.


Carência faz ver amor onde não tem. Hoje em dia, fabricamos o amor que queremos a cada esquina, a cada novo beijo, a cada novo abraço que ganhamos. Mas amor não é meramente um querer, é sentir. E estamos perdendo essa capacidade a cada instante que optamos por enxergá-lo mais como necessidade do que como consequência. E quanto mais nos iludimos, mais distantes nos permitimos chegar do que o seu verdadeiro valor pode nos proporcionar.

Fonte: observatoriodeventos.files.wordpress.com